Primeiro parágrafo: introdução. Maringá foi um novo começo. Um começo carregado de expectativas criadas pelas histórias de festas lendárias que ouvi durante toda minha adolescência. Meu primeiro contato com a cidade foi logo com a universidade, durante o vestibular. Curioso que naqueles primeiros dias eu vi pessoas que iriam me acompanhar nos próximos dias: a Dani estava na carteira atrás da minha durante a prova e enquanto eu aguardava meu primo me buscar de moto, reparei em uma menina que conversava com um garoto; era Laura e Vitor sentados à sombra dos coqueiros na área de convivência entre o G e o F67. Depois disso fui visitar alguns pontos turísticos com o Rodolfo e meu irmão: a mesquita, o templo budista Jodoshu Nippakuji e a Capela Madre Paulina. Maringá foi cheia de começos, recomeços, primeiras vezes e andando pelas cidades uma última vez, eu sou inundado com as lembranças de tudo isso. Meu primeiro passeio no parque do Ingá, a primeira vez que dei comida para um sagui, meu primeiro encontro com a Jéssika, meu primeiro dia de aula (era Latim), meu primeiro festival de Cinema Francês, minha primeira partida de RPG, a primeira vez que organizei um churrasco, meu primeiro pedido de namoro, meu primeiro término de namoro, minha primeira corrida (ao redor do Parque do Ingá), meu primeiro treino de boxe na academia do Argel, minha primeira visita ao Parque do Japão, meu primeiro tratamento de pedra no rim, meu primeiro trabalho fixo como tradutor (no ECI, que eu nem sabia que existia até começar a trabalhar lá), minha primeira expulsão de bar (logo no meu aniversário), meu primeiro gyudon.
Segundo parágrafo: desenvolvimento. Na primeira terça-feira na cidade, o Fernando me apresentou aos outros colegas do grupo de jovens. Fechamos o bar, enquanto o Rui nos ensinava filosofia e teologia. Os bares da zona 07, em especial da rua Paranaguá se tornaram a “ágora moderna”, era assim que brincávamos, eu, o Ponzio, o Luan e o Diogo. Ainda tinha o Vitão, que o conheci num dia em que o pessoal se encontrou pra fumar maconha na casa dele. Era comum nos reunirmos à tarde nas sacadas do I12 ou no banquinho à frente do H35. A universidade foi o centro da minha vida por quase uma década. Quando saí da rua Rubelita, morava há literais 5 minutos da sala de aula, na rua Jangada, entre o Nobel e uma escola infantil que nem existe mais. Lembro das conversas infinitas que tinha com a Laura nas sacadas do G34 ou embaixo do G56. As caminhadas com a Analu depois do estágio no Gastão Vidigal. Íamos na feira em frente ao Willie Davis. Foi na avenida Brasil, já perto da Rocha Pombo que quebrei ovos na cabeça dos gêmeos quando eles passaram no vestibular. O barulho da Colombo atrapalhando minhas músicas enquanto caminhava para o Amigão da Mandacaru. Na época nem era Amigão ainda, era o Cidade Canção, que o Fernando me explicou era o apelido da cidade, por conta da lenda de seu nome. Meu primeiro encontro foi uma Olimpíadas, onde encontrei muitos dos jovens que seguiram minha caminhada. Foi feito no Seminário Arquidiocesano, no final de uma estradinha de pedra bem sem-vergonha, o mesmo lugar que ainda recebeu uma Mariápolis muito legal, mas cheia de entraves. Mais relevante foi a chácara Santa Inês, onde realizamos um monte de encontros e eu conheci a Bárbara. Tantos desenvolvimentos ficam registrados em fotos e eu recorro a elas para me lembrar. Em 2016 eu era magro e tinha cabelo curto. Em 2017 entrei na academia motivado pelos vídeos do Toguro. Em 2018 assisti a Copa do Mundo pulando de bar em bar, sempre tentando misturar meus amigos, no Afonso’s. Em 2019, eu achava que vivia o melhor ano da minha vida, mas no ano seguinte aprendi que isso não existia. 2021 tiveram visitas esporádicas e o retorno definitivo foi em 2022, quando eu encontrei o melhor ambiente de trabalho que poderia desejar. Aquela rodoviária me acompanhou em tudo isso, chegando ou saindo, recebendo ou me despedindo. Das primeiras viagens até Dourados, quando desisti de andar de ônibus e mesmo após isso, ela ainda me acompanhava, porque muitos BlaBlaCars param no Posto Shell Catuaí ali na frente. E após a pandemia, me vejo voltando lá pra fazer uma viagem ainda maior do que para Dourados. Eu recebi a Rai ali numa manhã ensolarada após o carnaval e é a melhor lembrança que tenho daquele lugar. A primeira coisa que fizemos foi ir a catedral, o centro físico da cidade. Caminhei por lá muitas vezes pra chegar até o Regina Mundi, o Tribo’s e até mesmo o Marista, pra ir no Animeingá. Logo no meu primeiro ano fui pra lá, junto do Lucas e do Gustavo. O Lucas sumiu, mas o Gustavo continuou ao meu lado, mesmo quando ele saiu da UEM. Por muito tempo ainda fui até a casa dele, em Sarandi, o único motivo para eu ir até lá, fora visitar minha avó na casa do meu tio, quando ele foi morar no Vale Azul. É tudo Sarandi, mas já é igual Guarulhos, praticamente a mesma cidade. Quando minha vó andava, íamos à capela Santa Helena, era só descer a rua e já estava lá. Na febre do Pokémon Go, aquele momento único em que a humanidade quase alcançou a paz mundial, ia para lá com frequência para pegar um Pokestop. Nunca mais voltei pra lá depois que me mudei. Enquanto morava na Zona 7, ia na Maria Goretti, saindo da rua Jangada, seguindo pela Marquês de Abrantes, depois a rua Tietê e por fim a Visconde de Nassau, que era onde eu atravessava a Colombo. E quando disse isso na universidade, perguntaram se eu estava sendo irônico. Todos riam, mas uma colega minha, não. Anos depois, ela postou uma foto dentro de uma igreja com o namorado e gosto de pensar que tive alguma influência nisso. Eu a chamava de Lady, porque ela falava um inglês meio britânico durante as aulas e fiquei surpreso quando a vi sócia-torcedora do Maringá FC. Quando o time ganhou do Flamengo, foi um dos melhores dias; a cidade inteira se regozijava com aquilo. É muito comum ver a camiseta do time, mas especialmente nos parques, mesmo no Eurogarden, onde joguei vôlei algumas vezes e especialmente no Buracão. O chamei de Werner Nyfeller apenas uma vez e fui zoado por isso; nunca mais esqueci e para sempre foi Buracão. A última vez que estive lá foi com a Rai, que viu um casal andando e a menina chamou o cara de “amor”. Ela disse:
— Eu acho tão ruim chamar os outros de “meu amor”… é muito simples, muito comum.
Concordei, mas não demorou 10 minutos e ela me chamou de “meu amor” ao responder qualquer coisa que falei. Fiquei surpreso e a encarei, ao que ela deu de ombros:
— Escapou.
Terceiro parágrafo: conflito. Um dia voltando para a casa na rua Rubelita da UEM, passei no Bom Dia da Alexandre Rasgulaeff pra comprar hambúrguer. Ia passar o final de semana sozinho e queria algo rápido pra fazer. Quando abri a embalagem, o hambúrguer estava verde de tão podre. Nunca mais voltei ao Bom Dia, a nenhum Bom Dia. Aquela frustração não foi nada, comparada a toda frustração que senti com a Laura enquanto estive lá. Brigamos feio algumas vezes, mas a pior foi em frente a BCE, onde até mesmo a Luísa e o Fred viram. Poderia achar pior as vezes que fiquei bêbado, mas isso aconteceu apenas uma vez e, pelas graças de Baco, não me lembro de nada. Mas lembro que quebrei um móvel da casa onde morava quando terminei com a Bárbara e naquele mesmo dia fui beber com uns amigos em algum bar da avenida Mauá. Tem uma foto desse dia e estou horrível, com o cabelo bagunçado e um sorriso que só um deprimido pode fazer. Passei muito tempo com o semblante apagado, igual metade de Maringá quando tem tempestade, sempre do lado norte, sempre do lado da universidade. Ano passado passei uma semana inteira sem energia, porque um poste havia caído na esquina com a Pedro Taques. Isso me fazia perder a cabeça, mas depois que fiquei queimado em todas as UBS’s da cidade por ter brigado com o pessoal da UBS Vila Esperança por não ter conseguido atendimento quando tive pedra no rim, aprendi que há coisas que fogem do nosso controle e a única coisa que podemos controlar de verdade é a nós mesmos.
Quarto parágrafo: conclusão. Quando me despedi de Maringá pela primeira vez escutava “No soy de aquí ni soy de allá” de Jorge Cafrune. A novela da pedra no rim foi encerrada quando o Cássio me indicou um urologia que atendia na avenida Carlos Correa Borges. É uma das avenidas mais bonitas dessa cidade que é toda construída em torno das suas avenidas. Quando saia das consultas, ficava zanzando pelas ruas circulares em torno da praça Pio XII. Verdadeiras mansões existem ali e acho que foi o primeiro lugar onde vi uma casa com chaminé em Maringá. Porque alguém precisaria de chaminé nessa que é uma das cidades mais quentes do país? Certamente a mais quente em que morei. Nunca me esqueço a última consulta no urologista, onde ainda reclamava de dores, mas ele descobriu que era resultado de somatização e me disse que as pessoas são feitas de 4 dimensões: educacional, laboral, emocional e espiritual, se alguma delas estão em desacordo, o ser humano sofre. Levou muito tempo para sentir que eu estava em acordo comigo. Foi o Abel quem chamou minha atenção para o cuidado que eu tinha para todas as coisas e me elogiou por isso; eu estava na academia e ao sair de cada aparelho passava um álcool com um paninho. Foi o Marcos quem em ensinou a deixar o cabelo crescer, tem uma certa técnica quando seu cabelo é crespo. Foi o Argel quem me ensinou a disciplina pra aprender a fazer qualquer coisa quando aprendi boxe em sua academia. Foi o ECI e toda a sua equipe que me ensinou que eu poderia fazer mais profissionalmente. Foi a Rai, durante uma chamada em que eu estava no meu quarto, que me ensinou que eu poderia ser um agente de cura. Quando vim para Maringá em definitivo em 2016, meu pai entrou no carro junto do meu irmão e já ia embora sem se despedir. Ele havia esquecido, acostumado que estava com viajar com seus dois filhos no banco de trás. Eu não gosto de despedidas, mas não poderia esquecer de me despedir da Cidade Canção.